Teatro e shows de reggae agitaram a sexta noite da Aldeia Sesc

01/11/2013 às 00:00 por Viviane Franco

No chão de um espaço branco, o corpo da atriz agoniza. Em uma tela ao fundo, imagens de sujeiras, esgotos e pessoas em trânsito, em filas, em movimento, com pressa para chegar a algum lugar. Pedaços de coração de boi sangram, pendurados em ganchos de ferro. Aos poucos, o corpo que agonizava começa a ganhar autonomia. Vai se rebelando contra a violência do cárcere que lhe é imposto. Assim começa a performance “[Cu]rral”, do Coletivo Artes Urbanas, apresentado no palco do Teatro João do Vale, às 18h da terça (29).


Gê Viana é a atriz em cena que vai buscando em si movimentos primitivos, movimentos que simulam o corpo de um animal quadrúpede ficando de pé, com todo o peso e ferocidade. O bicho parece observar cada pessoa como se invertesse a lógica do curral ao qual sempre esteve confinado. O gado é mais um número, uma identidade demarcada a ferro e fogo. Na performance, o animal carrega um brinco que o identifica, o número 1.

Simulando o desenho da cabeça de boi, uma máscara de soldador. A trilha sonora conduz o espectador aos movimentos e à narrativa do bicho que ganha cada vez mais força e consciência. Ele lê um texto-manifesto. Fala da nova beleza em meio à agonia da pressa, a beleza que surge do conflito e da higiene do mundo pela guerra, um manifesto que declara que “o coração do homem é o curral na moderna sociedade”.

Aos poucos, o bicho vai retirando os pedaços de coração pendurados para distribuir aos espectadores. As reações são as mais diversas. Do asco à curiosidade. Algumas são marcadas pelo animal com um carimbo. Todos se reconhecem como bichos no mesmo curral. Ao final, a atriz explica que a performance foi inspirada em reflexões sobre a condição do corpo codificado, do corpo que vive em casulo e em transformação.

Contos e fábulas

Um prólogo anuncia a história que vai ser contada. “A comédia que vamos apresentar é humilde e inquietante, comédia rota, dos que querem arranhar a lua e arranham o próprio coração.” A poesia e o lirismo dos contos de fábula foram as opções da Companhia Ave Lola, de Curitiba (PR), para tratar de um tema universal que é o amor. O espetáculo “O Malefício da Mariposa” foi apresentado no palco do Teatro Alcione Nazareth, às 19h.

A narrativa é inspirada em conto do escritor Federico Garcia Lorca, que usa a fábula como recurso para escrever uma história sobre as relações afetivas de maneira inusitada, usando insetos como personagens. No meio de um estranho jardim, besouros, baratas, escorpiões, formigas e mariposas vão amando e sofrendo igual aos seres humanos. No palco, os atores interagem com bonecos utilizando a técnica do Bunraku (técnica japonesa com manipulação direta à vista da platéia e sincronicamente por três pessoas) e executam movimentos corporais iguais aos dos insetos que o conto cita.

Na fábula, Curianito se apaixona por uma mariposa encantada. Por algum motivo, ele poderia morrer caso insistisse nesse sentimento. Sua mãe tenta orientá-lo persuadindo o filho para os braços de uma insetinha rica e apaixonada por ele. Curianito escolhe o amor, em risco da própria vida.

Às 20h, no Casarão Angelus Novus, entrou em cena a Cia. O Imaginário (RO), dos atores Leo Carnevale, Bira Lourenço e Chicão Santos, com o espetáculo “Varadouro”.

Enquanto o público vai ocupando os espaços, os dois atores já estão em cena, sentados um diante do outro repetindo um quase-mantra, “a enchente dos rios, a enchente de gente”. O cenário é simples: bacia d’água, instrumentos de percussão, cuias. Tudo servindo de material para a trilha sonora da narrativa.

A peça é uma verdadeira epopeia sobre a construção do estado de Rondônia. A pluralidade de pessoas, de diferentes línguas, que chegaram para ocupar o lugar, as diferenças sociais e culturais, a derrubada da floresta e a força da natureza se impondo contra o ser humano. A todo tempo, o texto compara o movimento dos homens com o movimento das águas dos rios. Os objetos em cena reproduzem as sonoridades do cotidiano amazônico adicionando camadas sensoriais à narrativa.

“O tempo do rio é como o balançar da rede. A lenha se transforma em cinza. A cinza não se transforma em lenha”. A mensagem que fica é que a vida também segue o movimento do fluxo, não retorna ao que era antes.

Cinema

Na quarta foi a vez da Mostra CineMundi exibir filmes da África do Sul e Portugal, dentro da programação da Aldeia Sesc, no Cine Praia Grande, às 18h e 20h.

A história da poetisa sul-africana Ingrid Jonker (Carice van Houten), que lutou contra a desigualdade racial em pleno Apartheid, foi retratada no filme “Borboletas Negras “, de Paula Van der Oest, exibida na sessão de 18h.

Depois a mostra exibiu a história de amor entre José Saramago e Pilar Del Rio, às 20h, com o filme “José e Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes, que faz um registro do dia-a-dia da relação entre o escritor e a jornalista, de forma intimista e tendo como ponto de partida o processo de criação, produção e promoção do romance A Viagem do Elefante. A ficção do romance reflete o percurso do próprio autor, sendo a dura e custosa viagem do elefante um espelho de seus desafios pessoais, entre a doença, o trabalho e o amor por sua esposa.

Hoje a mostra encerra com a exibição do filme “Luíses – Solrealismo maranhense”, às 18h.

Noite de reggae

Às 20h, a DJ Nega Glícia já estava no palco da Praça Nauro Machado tocando conhecidas “pedras” (músicas que se tornam hits nos clubes de reggae) daqueles que costumam frequentar os espaços de circulação do reggae. Com performance ousada, a DJ tornou-se uma referência feminina ocupando uma atividade quase sempre feita por homens. No comando das “radiolas” (pick-ups) ela mantém a qualidade das “sequências” (setlist) executando “reggae roots” (reggae sem interferências eletrônicas) e soltando seu famoso bordão: “Reggae feito por mulher”.

Em seguida a Banda Kazamata subiu ao palco para apresentar seu repertório de canções que evidenciam o reggae autoral, feito em São Luís. O grupo atualmente formado pelos músicos Hilton Quintanilha (Voz), Júnior Muniz (Baixo e Voz), Fofo Black (Bateria e Voz), Márcio Praseres (Guitarra) e Paulo Apingorah (Guitarra) mostraram porque a banda é uma das mais requisitadas em shows e festas em clubes de reggae.

A Kazamata aposta no reggae como estilo musical e flerta, em algumas canções, com ritmos regionais. No repertório do show, músicas como “Quem é de Deus” (clipe disponível no Canal YouTube), “Afluentes” e “A calma que nos falta”, agitaram o público. Eles também tocaram clássicos do rei do reggae, Bob Marley, como “Redemption Song” e “Get Up, Stand Up”. As canções sempre trazem alguma mensagem de paz ou de orientação, como na música “Isso é coisa feia”, da banda Ponto de Equilíbrio, que resolveram apresentar no show: “Antes de julgar mal porque não olha pra si mesmo. Verás que está cometendo maior ou mesmo erro. Onde você vai chegar assim? Mas isso é coisa feia”.

Este ano a banda completa dez anos de estrada. A comemoração acontecerá no dia 21 de dezembro, durante um festival de reggae na Praia do Futuro, em Fortaleza.

Às 22h foi a vez de Gérson da Conceição e companhia subirem ao palco com o som da banda Mano Bantu. Cheio de dub’s e vocalizes característicos do canto inaugurado por Bob Marley, a banda apresentou um repertório de composições que são sucesso nas rádios locais, como “down, down” e “babylon”. Com influências africanas e ritmos populares, o grupo misturou vários gêneros do reggae, do ska ao rock steady, do lovers rock ao dub.

8ª Aldeia Sesc

A 8ª Aldeia Guajajara de Artes segue até hoje, 1º de novembro, em São Luís. Nas cidades de Itapecuru e Caxias, a programação acontece de 03 a 09 de novembro, com oficinas, espetáculos teatrais e shows. A mostra é gratuita, mas o público pode colaborar com o Programa Mesa Brasil do Sesc, que complementa milhares de refeições de crianças e adolescentes de São Luís e Caxias, doando 1 kg de alimento não-perecível nas bilheterias dos teatros.

O objetivo do evento é difundir a cultura brasileira e o talento da produção local nas mais diversas linguagens, trazendo espetáculos de circulação nacional e promover a formação de plateia. Este ano o evento passou a se chamar Aldeia, que são as mostras de arte e cultura organizadas pelos Departamentos Regionais do Sesc visando fortalecer os laços comunitários de artistas, espectadores e produtores, buscando inovar e diversificar o circuito cultural brasileiro.